Aventuras Internas
Sentimentos avulsos em prosas e versos.
15 de abr. de 2024
5 de abr. de 2024
Alvorada
O que é Vida senão um quase eterno processo de renascimento?
A flor dá lugar ao fruto, que dá lugar à semente, que dá lugar a uma nova planta.
Ciclos se iniciam e se encerram, modificando intimamente os personagens que fazem parte desses processos.
O próprio planeta passara e ainda passa por uma era de profundas transformações, algumas severas e gigantescas, outras delicadas e até belas.
A poesia surge em meio a toda essa dinâmica com a liberdade de levar muitas vezes sentido e consolo, uma forma sutil de reflexão para se compreender o que se vive, o que se viveu e o que é sonhado; talvez mais que compreender: encontrar o sentido sagrado que permeia todas as coisas.
Este trabalho tem então o humilde desejo de registrar os sentimentos provindos dessas tantas nuances experienciadas, mas acima de tudo, é um registro de um momento de esperança, da Luz tomando lugar das sombras, da claridade lentamente voltando a reinar após uma longa noite escura.
"Alvorada", minha décima quinta aventura com a palavra, estará disponível no Clube de Autores em 16/04.
16 de mar. de 2024
Cinzas
Infinitas palavras desde então
Sem começo, sem fim
Eternas
Construindo-se metaforicamente sobre si mesmas
Torres imensas
Como árvores gigantescas
Mortas
Esparramadas em um deserto onde nada mais floresce
E essas singulares miragens entoam canções confusas
Ora sobre o que se passou
Ora sobre que se sonhou ser
Ora sobre o que se perdeu para sempre
Você então cruza o céu como uma deslumbrante ave em chamas
Alto, muito alto
Inalcançável, já que é apenas uma memória
Que se apaga, e morre
E renasce das cinzas que sempre guardo
E sempre guardarei
Até que se perde no horizonte em que brilha uma alvorada petrificada
Que nunca ilumina por completo
E eu já não choro
Eu já não clamo
Já não espero
Pois que o vento sopra e para longe me esparrama
Feito que memórias em cinzas me tornei também.
Há uma tempestade
Há uma tempestade nem sempre bela em seu coração
E suas águas que nutrem os jasmins
Também levam do solo as flores mais frágeis
As promessas recém plantadas.
Há uma tempestade ainda em seu coração
E seus vendavais destroçam os vitrais
Assustam os anjos
Avançam cômodos adentro.
Há uma tempestade... em seu coração
Mas os relâmpagos insistentes clareiam pequenas joias pelo chão
Apontam o caminho pelo escuro
Te impelem a uma oração.
Há uma tempestade... que é seu coração
Que como o filho pródigo olha para trás
Olha para o caminho adornado de erros
Clamando um sorriso, um beijo de absolvição.
11 de fev. de 2024
Em Teu caminho
Em alguns dias, Mestre, correrei em Tua direção;
Feliz, confiante, de braços abertos,
Sorrindo e cantando.
Em alguns dias, Mestre, caminharei em Tua direção;
Resignado, sóbrio, firme em meus passos,
Emocionado por ver-Te em meu horizonte.
Em alguns dias, Mestre, engatinharei em Tua direção,
Feito uma criança frágil, titubeante, temerosa;
Embora convicto, plenamente, de estar em Teu caminho.
Em alguns dias... Mestre, estarei sem forças, cansado, com mãos e pés feridos;
Então, Mestre, eu rastejarei em Tua direção,
Lentamente, com olhar envergonhado por minha fraqueza,
E não haverá em mim nada de Belo, além da pequena Luz do meu coração apontando o caminho...
E nestes dias, principalmente neles, saberei: qualquer que seja a velocidade, jamais deixarei de ir em Tua direção,
Pois és meu Caminho,
És minha Verdade,
És minha Vida.
Rogava pela luz, e a luz aos poucos se fez
Às vozes todas, às gargalhadas
Uma resposta silenciosa
Os ombros em riste
Não o medo
Não desta vez
É passado o tempo das sombras
E a alvorada arrebentará o horizonte em luzes magnânimas
Fará-se o novo tempo acima do velho
Fará-se boa nova pelos abismos do espírito
E se impossível o voo
Que haja o caminhar
Se impossível o caminhar
Que rasteje-se caminho afrente
Mas seguindo, seguindo
Sem desvios, sem atalhos, sem dúvidas
Até que se bata na sagrada porta
E ela se abra
Deixando transparecer o primeiro dos novos dias.
24 de jan. de 2024
Prelúdio
Quando alguma noite de janeiro consegue ser amena
O céu canta uma melodia ancestral
Quase um lamento repleto de saudade
E também de esperança
O vento traz um aroma de mirra
E as nuvens repousam calmas e tem a cor de um âmbar pálido
E é como se a noite se rendesse junto a mim
Dobrasse seus joelhos em uma oração como as da infância
Quando tudo era repleto de uma mágica beleza
Sei que estou retornando...
Sei que são passos simplórios em direção ao que de valioso se perdeu
Sei que chegará a alvorada em que outra voz se unirá à minha
E luzes e canções se farão então por todos os cômodos da alma
Ainda não é chegado o tempo
Muitas pedras a remover
Muitas roseiras a plantar
Mas há por enquanto esta noite
Um prelúdio do que seria a vida
Se fosse um poema.
21 de jan. de 2024
Uma após outra
Ainda a remover pedras, uma após outra
Sempre, sem cessar
Enquanto remove, renasce, purifica
Com uma canção sempre a tocar
Certas ilusões não lhe vestem mais
Refaz teu reflexo, teu caminho
E leve, enfim, sobrevoa os pecados deixados lentamente para trás
Do alto, verá o que cresce e refloresce
Sozinho, simples, completo
Teus anjos não repousam longe, mas flutuam contigo
Em teu peito, uma chama ressuscita
Pequena, morna, bonita
Do alto, alguém cuida de ti, sonha contigo
Acolhe tuas orações com carinho
Sem reinícios simbólicos desta vez
A vida caminha para seu cume
E quando lá chegar
Que veja paisagem deslumbrante, silenciosa, iluminada
E quando de lá partir que seja outro
Melhor
Seja verdadeiramente
Quem de fato é.
Desavisados
Em algum momento é irresistível desejar ser novamente criança e ter a mãe a dizer vai daqui para ali, ou faço isso ou faça aquilo
Sem que tenhamos que pensar muito pois que alguém havera pensado antes com muita precisão e sabedoria
Para tudo se há horas e organizações
Para tudo há muita segurança
E ainda que muito falte, nada falta
E ainda que muito doa, nada dói
Então crescemos desavisados de que precisamos crescer
E começa-se a pensar na vida, na morte, nas consequências todas
E há tantos números a serem calculados, tantas portas a serem trancadas, tantas janelas a serem fechadas que quase já não vemos mais o céu, não vemos mais a imensidão
Crescemos e tudo se torna diminuto, razoável, necessário
E mesmo comentando pequeno atos de rebeldia, como manter as luzes de natal por todo o ano, deitar no chão para olhar as nuvens, escrever poemas bobos
Temos medo...
Medo de que não sejamos mais nem uma memória para aquilo que já amamos
Medo dos despertadores que só esperam a hora certa para nos banhar em realidade fria
Medo do tempo...
Que não existe, e ainda assim, troca de lugar todas as coisas... algumas, para sempre.
11 de jan. de 2024
O tempo
Há essa voz em minha mente que sempre se repete:
'O tempo é um animal tão mutante!'
Uma hora se é menino, noutra se tem o coração partido.
E a gente passa meia existência perdendo pedaços,
Pequenos caquinhos que vão caindo pelo caminho,
E passa outra metade voltando e recolhendo essas partes, tentando formar uma alma completa, curada.
E então a vida salta espalhafatosa, gira uma dezena de vezes e cai de pé esperando aplausos,
E o aplauso não vem.
Alguns olhares são de soslaio, insípidos,
Todo mundo esperando aplauso também.
Mas o tempo, sim, o tempo.
O tempo na verdade não existe...
Tudo começou com um homem inventando um relógio
E outros homens comprando esses relógios até a coisa sair do controle
Mas o tempo mesmo, não existe,
É uma abstração feita para definir outras abstrações,
Como as saudades, as pessoas, os sonhos.
A gente coloca tudo dentro de um cronômetro e o quanto ela viver ali, mostra sua importância.
E nem tudo obedece à regra...
Tem coisa que foge pelas frestas e permanece,
Quietinha ao nosso lado,
Durando para sempre;
Tem coisa que não importa o quanto dure, dura pouco demais;
Tem coisa que ainda bem chegou,
E sempre esteve aqui.
8 de jan. de 2024
Foi há dez anos
Foi há dez anos
Foi ontem
E só na memória restam provas de tais épocas
Profundas...
Como um oceano misterioso
Onde repousam tesouros para sempre perdidos.
Em algumas tardes o céu se pinta do mesmo azul que habitava em seu olhar
E há então um sopro morno e mágico de saudade
Nada foi tão puro desde então
E nada será
Pois por vezes eu volto de longas peregrinações até esse santuário
E ainda repousa imóvel no altar meu ex-voto
Meu coração de pedras e flores
Inerte, mas tão cheio de vida
E eu tiro minhas sandálias pois adentro em solo sagrado
Tiro minhas roupas pois já não causam vergonha as cicatrizes
Tiro as máscaras que camuflam meus pecados...
E o que resta, se não é belo,
Ao menos tem um brilho verdadeiro.
Olho com doçura para essas paredes, para meu reflexo nos espelhos, para o sentimento materializado diante de mim
Uma brisa fresca sopra pelas janelas,
Um ipê flori lá fora, uma rosa desabrocha, uma borboleta salta pelo ar
E eu começo a enteder, década depois, porque nunca parti por completo
Aquele sentimento que já não pode mais possuir um nome
Trouxe à tona a mais bela parte de mim.
31 de dez. de 2023
01/01/2024
Escreve -se, talvez, para represar uma magia que insiste em escapar por entre os dedos, por entre o ordinário da vida;
Sem se dar conta muitas vezes que é esse fluir, é esse viver comum que gera todo o encanto.
Escrevendo se desafia o tempo: agora mesmo, há dez anos, estamos eu e meu pai ali fora, recém chegados a esse lar, esperando pelos clarões no céu, ouvindo uma canção sobre o futuro levar o passado embora...
Só que o futuro nada leva.
E repito de novo e outra vez, como disse o poeta, que em mim nada é extinto ou esquecido.
Tudo permanece aqui, vivo, quente, pulsando.
Mas não permanece o mesmo, e eu gostaria às vezes de ir para longe e observar o tanto que a alma cresceu.
Em meio às turbulências tantas, as flores plantadas, os amores perdidos, os abraços dados, os sorrisos recebidos, chegamos a uma lágrima humilde, de uma gratidão tão, tão pura, escorrendo morna e lenta...
Do pouco que sei, de algo estou certo, o sinônimo de vida é recomeço.
27 de dez. de 2023
26/12/23
Não se abrirão ainda portas aos silêncios
Talvez minhas palavras e suas tentativas
Maculem a sagrada e bela poesia dos grandes arautos
Talvez meus sentimentos não sejam os mais puros e leves
E assim materializados em linhas
Nenhuma claridade acrescentem às noites escuras de tantos
Mas há no espírito suave melodia que não se cala
Uma fé menina que se não cresce, ao menos nunca perde a formosura
Há memórias tão vivas
Chegadas, despedidas
Primeiros abraços
Últimos adeuses
Tudo compondo de notas delicadas essa canção sem fim
Foram sim, tantas, as flores perdidas pelos caminhos
Os passos em desequilíbrio beirando a pecados
E o medo nunca deixou de ser incômoda companhia
Mas o olhar fita firme o horizonte com sua inexplicável claridade
Pelos redemoinhos eu vejo esperanças rodopiarem
E por vezes eu sei que minhas preces alcançam esferas celestes
Ainda piscam as luzinhas de natal
Ainda escorrem córregos mornos dos olhos
Ainda estou aqui.
25/12/23
Há dois milênios, o santíssimo Sim.
Então das maiores e mais puras esferas
O detentor da Verdade olhou com profunda misericórdia esses minúsculos irmãos
E até eles veio
E caminhou por caminhos e corações áridos
Semeando, semeando
Limpando, curando
E amou de tal forma
Que sua voz ainda ecoa
E para sempre irá ecoar
Pelas ruas agora, claridade tantas
Canções por seu doce nome
O abraço de irmãos
A mesa posta
Uma profunda oração
Amigo, mestre, irmão
Que vejas aqui neste peito
Aquela humilde manjedoura que O acolheu
E que aqui também em mim
A Tua Luz nasça.
11/12/23
Havia um fragmento do infinito naquela avenida
Porque no deleite de um instante sem fim
Nada faltava
Tudo bastava
Pois que havia o vento
A claridade
As árvores dançando impossivelmente
E no imenso céu acima
Nuvens enfileiradas
Como que pintadas por mãos generosas
Em largas pinceladas
Agora tudo isso adormece a um passo do esquecimento
Mas pela janela sopra uma brisa doce
Luzes piscam calmamente
E eu sinto que algo do Sagrado está aqui agora
A me envolver como em um abraço amigo
Delicado
Ansiado
E mais um corte se fecha
E mais uma cura floresce
A vida entoa suave melodia
A noite extrai suspiros esperançosos
Cessam os estrondos
Repousemos agora
Não há nada a temer.
09/12/23
Ao abrir a porta
Um aroma com qualquer coisa de saudade
De passado
Do que se perdeu
Ao abrir o peito
Uma claridade macia
Pequenas esperanças em cintilância
E o espírito
Com as mãos sempre sujas
Não só de pecados
Mas de enterrar sementes nos lamaçais
Esperando pelos lírios
Pela floração
Pela absolvição
Enfim
Os espelhos refletem pouco
Menos do que nada
Daquilo que foi tanto
Que foi mais que tudo
E que passou
Agora as janelas estão abertas
A brisa da noite adentra suave
E move as páginas sagradas sobre a mesa
Acaricia meus apelos
E pelos tantos passos em falso
Eu mais uma vez me concedo perdão.
07/12/23
Há pela atmosfera uma claridade perfumada.
Dias dóceis, talvez.
Uma prece, uma canção, uma súplica.
O gentil silêncio.
As pracinhas repletas das luzes de natal;
O coração cansado da espera, mas batendo tão bonito.
E a esperança de que talvez minha voz possa ainda transpassar os telhados, as copas das árvores, fios e edifícios,
E alcançar o céu...
Este céu de nuvens como as da infância,
Jorrando uma luz magnânima,
E deixando tudo abaixo tão magnífico.
Fere, sim, esse não bastar,
Essa linha de chegada que nunca chega,
Esse cume jamais alcançado,
Mas é dezembro e a vida prepara seu simbólico reinício.
O espírito ainda se renova aos sopros suaves da brisa,
O espírito ainda reflete o que vislumbra de sagrado,
Como se não fosse tarde demais.
01/12/23
Uma pequena ode ao sono profundo das palavras,
Às, novamente, últimas sementes lançadas ao solo árido,
Ao preço insano pago pelos sonhos,
Aos últimos sentimentos.
Na alma, sei, há vastidão inclemente,
Mas faz-se luz, muita luz, tanto que pouco se vê.
O que ainda há para ser dito, rogado?
Uma prece profunda, uma viagem demorada rumo a um longo adeus.
E essas palavras, sempre elas, a trazer e a levar,
A trazer e a levar...
Como ondas calmas e fortes.
E eu temo em silêncio.
Temo que sem palavras e sem sentimentos
Acabem-se os poemas de amor,
E ninguém sinta falta.
Pois que coisas maiores se perderam pelas dobras do tempo,
E os poemas todos, de amor ou não,
Adormecem esquecidos, adornando velhas estantes,
Restando apenas um despretensioso devaneio por uma tarde muito ensolarada,
Restando apenas versos de um velho poeta que eterniza memórias ainda mais velhas,
que assim como essas,
A ninguém interessam mais.
06/11/23
São apenas outra vez murmúrios sem propósito e sem destino pela tarde de farta luz.
Pois que em alguns fragmentos de tempo há beleza e a alma exclama:
'Por este instante, sou completamente feliz!'
Sei da proximidade do silêncio, uma calmaria estranha anuncia sua chegada.
É passado o tempo da floração dos ipês, da saudade, do amor.
Aquelas memórias imensas, clarões sublimes na noite eterna, jazem agora como fotografias quase sem cor de uma outra vida, de uma outra história, que não a minha.
Por ora, então, há a tarde,
Há borboletas brancas beijando pequenas flores roxas,
Há um último botão no jasmineiro,
Há sua falta.
25/10/23
Já não temo a ausência da sagrada voz;
Poucos são seus ecos a adentrar meu peito.
Já não temo a raridade com que sonhos emitem doces cânticos;
Sim,
As guerras não cessam...
Não por aqui, não por enquanto.
Mas a chuva ainda lava a atmosfera nos finais de outubro
E nas trincheiras cavadas a sangue e suor na realidade,
Há repouso.
Eu pendo minha cabeça ao escorrer de poucas lágrimas,
Cheias de sentimentos, carentes de razão,
E vejo agora um limpo firmamento aos poucos brilhar,
Vejo as estrelas emergirem da escuridão, em calmaria e silêncio.
Adormeço...
No torpor das horas vislumbro imagens utópicas bailando, bailando,
Como se a vida, a carne, o tempo, não doessem.
Então um rosto, um sorriso, um abraço
Um entrelaçar de dedos...
E já não estou só.
04/10/23
Um leve desaguar no dia de Francisco
O nobre obreiro de Assis
Francisco que também é como foi chamado meu pai
Resiliente, digno
Francisco, como o Velho Rio que leva vida ao sertão
E eu aqui, tão pequeno
Ouço o cântico dessa chuva
Revolvendo as brasas dessa minha fé ainda tão pequena
Mas ainda assim, já tão bonita
Usando pequenas pedras para compor poemas simplórios
Plantando sementes humildes
Na esperança da floração
Na esperança do perfume do jasmineiro
Orando...
Pai, mesmo quando eu for digno de Lhe ver a face
Mesmo quando nenhuma mácula restar no meu espírito
Mesmo quando minha alma não for nada além de Luz
Mesmo quando o tempo, o espaço e a carne não fizerem mais sentido
Ainda precisarei da Tua Misericórdia da mesma forma como preciso hoje
Hoje, que pouco sou além de falhas e sombras
Ainda rogarei por Teu Amor
Como hoje,
Que ainda sou a menor das Tuas criaturas.
19/09/23
Torce-se a alma por alguma emoção
Para que goteje
Quem sabe
Alguma luz
Algum perfume
Algum propósito
Agosto passou
Mas é sempre agosto
É sempre uma estiagem brava
Infindável
Um vento seco
Forte e poeirento
Um céu desbotado
Ainda assim
Como pediu a mestra
Remove-se pedras
Planta-se roseiras
Tenta-se fazer da vida mesquinha
Um poema.
31/08/23
Agosto despede-se com vasto temporal
Relâmpagos fartos
Orações interrompidas e retomadas
A água pura lavando as janelas brancas
Surge então
A já memória
Do coração acelerado
Mesmo que já não tão jovem
E uma súplica humilde
Silenciosa:
Quem sabe
Meu Deus
Minha vontade não seja também
Tua vontade
Agosto que já tanto levou
Talvez só parta dessa vez
Depois de algo belo trazer
É alta madrugada...
Mas aqui ainda protegido da alvorada
Não há o que impeça o sonhar.
27/08/23
Até mesmo agosto com toda sua eternidade começava a chegar a um fim
Deixando as avenidas forradas com as flores de ipês brancos e amarelos
De longe, o tempo assusta, imenso e selvagem
De perto é uma dama requintada, de perfume doce e gestos nobres
E ainda sento ao seu lado
Peço que me conte algumas histórias sobre o que foi e sobre o que virá
E gosto quando ela fala, quando sorri, quando aponta o caminho
E temo quando ela silencia e fita o horizonte com um olhar imóvel
Já não cobro tudo o que de mim ela levou
Mas agradeço por tudo o que me trouxe
Repito a ela
Como disse o poeta
Em mim
Nada é extinto ou esquecido
Não por completo
E ela suspira com um sorriso complacente
Não sou o pior dos seus filhos, talvez
Eu penso
Ainda espero com paciência o florescer anual das orquídeas
Ainda tiro o pó com delicadeza de todas as lembranças que apenas repousam nas prateleiras da memória
Ainda acordo em algumas noites pedindo perdão pelos meus tantos pecados
E eu a temo... E como
Seu passar lento, gotejante
Levou sem esforço impérios, nações, eras
Que se dirá de mim...
Um cisco ao vento
Não mais que isso
Mas hoje sento ao seu lado sem dor
Em uma oração silenciosa
Ainda é agosto
Ainda há esperança
E chove
O jardim floresce
Talvez eu também.
12/08/23
É a mesma velha ventania pelas ruas vazias de agosto
As velhas folhas acertando meu rosto e suas primeiras marcas que não irão mais partir
Em uma fração de segundo
Um aroma também ancestral
De eras repletas de uma poesia quase inocente
Mas eu caminho sobre meu próprio caminho
Enquanto as luzes da cidade começam a brilhar
E vou só
Ainda que não seja tão tarde
Eu vou só
E leve
Então asas me brotam dos ombros
Ao sentir que me torno este agosto
Este agora
Ao sentir que me torno as luzes da cidade
Os carros que vem e vão
O perfume das mangueiras e eucaliptos em flor
O céu escuro abraçado por nuvens pesadas
E por um instante
Por uma minúscula trégua do tempo
Tudo é perfeito
Pois não há medo.
08/08/23
Não há mais o que precise ser dito
Talvez, nunca houve
Mas temo que um dia o cessar das palavras traga um silêncio profundo, permanente
Que a interrupção desses cânticos, quase murmúrios
Quebre um encanto que já quase jaz sem poder
Então, insisto
Pois que sopram ainda os ventos de agosto
Levando e trazendo memórias desbotadas como esse azul do céu
O velho ipê range enquanto se prepara para mais um epitáfio
Os campos lentamente adormecem aguardando a primavera
E os tempos de brava estiagem deixaram marcas profundas
E é sim bem pouca a mágica que escorre de tudo
Só que a vida ainda sopra forte lá fora
Levando e trazendo esperanças de cores fortes como o céu noturno
Por isso, insisto...
20 de jul. de 2023
Ainda pode-se ouvir o sino da velha igreja de Nossa Senhora
Ao longe, abafado
Um som que já é quase mais uma memória que um fato
Minutos antes
O silêncio cortante
Com poucas palavras afiadas desfilando diante dos olhos
E se tudo desabar, meu Deus?
O coração aflito, apertado
Então o badalar distante...
Como que Deus dizendo
Estou aqui
Sempre estive aqui
E aqui continuarei
Assim, o silêncio torna-se colo
O escuro da noite, um afago
A brisa quase fria, um sopro perfumado de misericórdia.
8 de jul. de 2023
Guiava-se às vezes ainda pelo brilho de estrelas mortas
Visto que quando a noite é repleta de uma escuridão dura
Quase tangível
Mesmo que falsas
As tais quase únicas claridades
Eram os únicos sinais a apontar o caminho
E por tanto olhar o firmamento
Na busca infinda de alguma luz ilusória
Mal notava o próprio peito um tanto mais quente
Um tanto mais cintilante
Entoando canções ancestrais
Imaculadas
E por tanto olhar o firmamento
Na busca infinda por anjos imóveis em seus pedestais
Mal notava o próprio espírito um tanto mais puro
Um tanto mais leve
Alçando voos modestos
Mas com suas próprias asas.
27 de jun. de 2023
Em certos dias acordava com um medo
De que o frágil sentido das coisas se perdesse
De que
De repente
Nada mais estivesse lá
Em seus lugares nas estantes
Nas rodovias
Nos corpos e corações
Um medo quase sem razão
Ou não
Feito quando era menino
E temia dormir achando que o dia não nasceria
Que ao despertar ainda seria noite
Noite
Noite
Para sempre noite
Como se o dia se esquecesse de voltar
E por algumas vezes aconteceu
Os objetos sumiram das estantes
Os carros não encontraram as rodovias
O coração se partira
Por algumas vezes
A noite foi longa
Tão longa que quase não se viu claridade alguma ao amanhecer
Um dia estranho
Com uma luz suja
Cansada
Ali só por obrigação
E não houve quem voltasse ou quem chegasse
Quem dissesse
Estou aqui
Não
Só o silêncio de sempre
Um sopro afiado e frio de realidade
Então se escrevia
Porque ela estava certa
Escrevia-se sim para desabrochar
De um modo ou de outro
Para que não se murche e se caia
Como os botões daquela roseira na janela da juventude
Escrevia-se para dourar de eternidade o efêmero
Para acender alguma luz perene
Para que ainda se sonhe
Que algum dia você estará aqui.
Preencher de vida
De saudade
De memória
Cada canto
Cada canção
Cada hora
Tornar bela a noite preta
Profunda
Para que a alvorada se achegue
E se encante
Com os ressignificados
Com os renascimentos
Fertilizar de passado as terras estéreis
Esperar que cresça
Floresça
Frutifique
Cem por um
Cem por um
Até que os céus se abram
E a força do futuro
Derrube as barragens
E o peito se lave
E dos olhos
Jorre enfim
Amor.